quarta-feira, 4 de março de 2009

Adeus ao cientismo

Princípios considerados de fundamental importância, fundamentos sólidos, vão ser de facto profundamente abalados; até ao século XIX, a ciência assentava no princípio do determinismo, considerando que os processos da natureza consistem num rigoroso encadeamento de causas e consequências, nada acontecendo de incerto e de indeterminado na natureza, só a ignorância sendo responsável pelas incertezas. O próprio espírito de exactidão da ciência — só o que é mensurável é susceptível de estudo exacto, o objectivo da ciência é medir os fenómenos, é descrever através de números, é estabelecer relações precisas — acentua a forma da universal inteligibilidade. A estes dois princípios ainda se poderá acrescentar o princípio da continuidade — os movimentos da natureza produzem-se gradualmente: entre dois momentos considerados, entre duas posições, existem sempre outros momentos. Além de que o cientista era mais um instrumento ao serviço da natureza, orgulhava-se em vincar a sua impessoalidade, a não interacção do homem que investiga e do fenómeno investigado. O cientista do século XX é protagonista de todo um processo de revisão: em vez de certezas absolutas, uma margem de incerteza, em muitos domínios; em vez do determinismo, do encadeamento causa – efeito, a certeza de que as mais pequenas unidades de matéria e de energia só podem ser descritas em termos de probabilidade, as previsões rigorosas neste campo não passando de quimera. (...) Acentua-se cada vez mais o papel criador, a actividade do cientista, e uma dose de acaso introduz-se nas teorias científicas (...). A ordem encontrada hoje na natureza é só uma das muitas ordens possíveis. E o real deixa de ser transparente, para se tornar velado.
Isabel Marnoto, António Sérgio. Claridades e Sombras, in Revista da Historia das Ideias, Coimbra, 1983.


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