quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Indução

"O critério de demarcação inerente à lógica indutiva - isto é, o dogma positivista do significado do sentido - equivale a exigir que todos os enunciados da ciência empírica (ou todos os enunciados com sentido) sejam susceptíveis de uma decisão definitiva com respeito à sua verdade e à sua falsidade, podemos dizer que têm de ser " decidíveis" de modo concludente. Isto quer dizer que têm de ter uma forma tal que seja logicamente possível tanto verificá-los como falsificá-los. Assim disse Schlick: (...) Um autêntico enunciado tem que ser susceptível de verificação concludente; e Waismann escreve ainda com maior claridade: Se não é possível determinar se um enunciado é verdadeiro, então carece inteiramente de sentido: pois o sentido possível de um enunciado é o método da sua verificação.
Ora bem, na minha opinião, não existe nada que possa chamar-se indução. Portanto, será logicamente inadmissível a inferência de teorias a partir de enunciados singulares que estão verificados pela experiência (o que quer que seja que isto queira dizer). Assim, pois as teorias não são verificáveis empiricamente.
Se queremos evitar o erro positivista que o nosso critério de demarcação elimina dos sistemas teóricos da ciência, devemos eleger um critério que nos permita admitir no domínio da ciência empírica inclusive enunciados que não podem verificar-se.
Mas, certamente só admitirei um sistema entre os científicos ou empíricos se é susceptível de ser contrastado pela experiência. Estas considerações sugerem- nos que o critério de demarcação que temos de adoptar não é o da verificabilidade, mas o da falsicabilidade dos sistemas. Dito de outro modo: não exigirei que um sistema científico possa ser seleccionado, de uma vez para sempre, num sentido positivo; mas sim que seja susceptível de selecção num sentido negativo por meio de contrastes ou provas empíricas: há- de ser possível refutar pela experiência um sistema científico empírico."
Karl Popper, A Responsabilidade do Cientista e outros Escritos, Publicações D. Quixote.

1. Como podemos segundo o texto "evitar o erro positivista"?
2. Quais é segundo o texto a eficácia do critério da verificabilidade?

Exercício II

"Hume, para falar uma linguagem que não era a sua, demonstrou que contrariamente às inferências demonstrativas (que se baseiam nas regras da lógica dedutiva) as inferências não demonstrativas (ou indutivas), nomeadamente aquelas cujas premissas descrevem estados de coisas observadas e a conclusão um estado de coisas inobservado, não preservam a verdade das suas premissas: se as premissas de uma inferência indutiva são verdadeiras, a conclusão não é automaticamente verdadeira.
Do facto de todos os corvos observados serem negros, não se segue que todos os corvos observados e inobservados sejam negros. Por outras palavras, a indução não tem justificação lógica. Esta conclusão é o ponto de partida da moderna filosofia das ciências. Desta primeira conclusão, Hume tirou uma segunda: a saber, que as nossas crenças baseadas sobre inferências não demonstrativas são irracionais ou insensatas. Esta segunda tese não pode ser deduzida da primeira a não ser que se adopte uma premissa suplementar que podemos qualificar de «dedutivista», segundo a qual qualquer inferência não demonstrativa e irracional ou insensata.
Karl Popper é, entre os filósofos contemporâneos, o principal partidário da segunda conclusão de Hume e portanto da premissa dedutivista. Segundo ele, nós raciocinamos sempre de maneira dedutiva, nunca de maneira indutiva. A partir de uma hipótese tendo a forma de enunciado tendo a forma de um enunciado universalmente quantificado (por exemplo, «Todos os corvos são negros».), pode – se predizer – se que o próximo corvo que observamos será negro. Se ele for amarelo – limão, então pode inferir – se (…), que a nossa hipótese foi refutada, na condição de não estipular que o volátil amarelo limão não poderia, em virtude da sua cor, ser um corvo. Daí conclui que, se temo razões para considerar uma teoria como falsa – basta para isso que ela tenha sido refutada - , em contrapartida, não temos nenhuma razão para considerar uma teoria como verdadeira, por muito abundantes que tenham sido as afirmações experimentais que ela recebeu. A metodologia negativa de Popper, pela sua insistência unilateral sobre a refutabilidade das teorias científicas, opõe – se ao positivismo lógico.
(...) A rejeição popperiana da indução tem, quanto a mim, os defeitos de premissa dedutivista. (…) Do facto de que as inferências indutivas são falíveis não concluirei nem que é preciso renunciar à indução, nem que nós não dispomos de nenhuma razão para afirmar a verdade de teorias claramente confirmadas."
P. Jacob, in A Filosofia das Ciências Hoje, Edições Fragmentos.

1. Explicite a tese fundamental defendida pelo autor.
2. Discuta, partindo do texto a importância da indução e da dedução para a formulação da verdade científica.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Locke


A contribuição de Locke para o desenvolvimento das ideais filosóficas foi ter empregado o seu talento como um "operário dos fundos, limpando o terreno e removendo parte do lixo que obstrui o caminho do conhecimento". Afirmando que tomou um lugar humilde ao lado "de mestres como o grande Huygenius e o incomparável Newton", Locke removeu o lixo que obstruía o caminho do conhecimento ao trazer para a cabeça da filosofia moderna o problema da epistemologia: como conhecemos. Deixamos a ele próprio a tarefa de investigar os limites do conhecimento para que os homens pudessem não perder a sua energia através de objectivos vãos:

"Se através desta investigação da natureza do entendimento, puder descobrir os poderes que aí residem, até onde podem alcançar, a que coisas são, em qualquer grau, adequados e onde são impotentes, penso que isso poderá ser útil para prevenir o espírito atarefado do homem a que seja mais cauteloso quando se ocupa de coisas que excedem a sua compreensão, a parar quando se encontra no extremo limite dos seus conhecimentos e a descansar numa ignorância tranquila daquelas coisas que, depois de examinadas, se descobre estarem para lá do alcance das nossas capacidades" (…)

O Ensaio inclui um ataque à perspectiva platónica das ideias inatas, segundo a qual vimos ao mundo providos de uma visão daquilo que simplesmente redescobrimos. Por exemplo, Locke fazia notar que são princípios "aos quais toda a humanidade dá? assentimento universal". O seu ponto principal de argumentação era, contudo, que não havia necessidade de afirmar impressões inatas; os homens "apenas com uso das suas faculdades naturais, podem alcançar todo o conhecimento que tem. Assim, Locke reclamava a via empírica ou natural para todo o conhecimento, contra a tentativa racionalista e sobrenatural. O saber não era impresso, de uma vez por todas, no cérebro do homem por acção de Deus, tinha que ser descoberto, pela experiência, no mundo. Este era o "caminho" da ciência do século XVII.

A teoria de Locke era, por isso, uma doutrina empirista. Defendia que a mente, na criança, está inteiramente em branco. Usou a frase "folha em branco, (tábua rasa). Locke formulou juntamente e a solução:

"Suponhamos que a mente é, por assim dizer, uma folha em branco desprovida de qualquer caracteres, sem nenhuma ideia; como vem ela a ser preenchida? Donde obtém esse vasto armazenamento que a imaginação activa e livre do homem aí gravou com uma variedade quase infinita? Donde tira ela todos os materiais da razão e do saber? A isto respondo eu, numa palavra - da EXPERIÊNCIA; é nela que todo o nosso conhecimento se funda e, em última instância, é dela própria que deriva".

O espírito, através da experiência, sofre do exterior impressões sensíveis. Estas impressões (que Locke chama, mais tarde, ideias) são depois organizadas pelo entendimento, de uma forma que Locke achou difícil de explicar, embora tenha feito uma tentativa audaciosa. Na realidade, acrescentou Locke, a experiência pode fornecer o entendimento com ideias derivadas quer da sensação quer da reflexão (isto é, "das operações internas dos nossos espíritos, percepcionadas e reflectidas por nós mesmos" (…) Com as próprias palavras de Locke: "Portanto, parece-me que o conhecimento não é senão a percepção da conexão e do acordo, ou do desacordo e mútua rejeição de qualquer das nossas ideias. Nisto somente consiste o conhecimento"
J. Bronowski, Bruce Mazlish, A Tradição Intelectual do Ocidente, Edições 70. (adaptado)

1. Explique motivo John Locke tem necessidade de "atacar" a teoria platónica das ideias.

2. Que concepção, acerca do conhecimento, está presente na convicção, de que a mente na criança está totalmente em branco.

3. Explicite os princípios filosóficos que subjazem a essa concepção.

Retirado do site Netprof.

Hume


Hume nasceu em Edimburgo e frequentou a universidade local. Inicialmente, pensou em seguir a carreira jurídica mas, em suas palavras, chegou a uma "aversão intransponível a tudo, excepto ao caminho da filosofia e a aprendizagem em geral". Sua mãe, que enviuvara quando David era criança, ficou assustada com a decisão, mas Lord Kames , um familiar e protector de Hume , tranquilizou-a.

Dedicou-se aos estudos, como auto-didacta , em França, onde completou a sua obra-prima, Tratado da Natureza Humana, com apenas 26 anos. Apesar de muitos académicos considerarem hoje o Tratado sua maior obra e um dos livros mais importantes da História da Filosofia, o público inglês não se entusiasmou imediatamente. Hume tinha esperado um ataque à publicação e preparava uma defesa apaixonada. Para sua surpresa, a publicação do livro passou despercebida, e sobre esta falta de reacção do público, em 1739-40, escreveu: "saiu da editora morto à nascença".

Após ter concluído que o problema do Tratado era o estilo e não o conteúdo, ele encurtou o texto e deu-lhe um estilo mais ligeiro, renovou algum do material para consumo mais popular: esforço que deu existência ao Investigação Sobre o Entendimento Humano. Também não foi muito bem sucedido com o público, embora melhor do que ocorrera com o Tratado. Foi a leitura desta Investigação que teria feito Kant- então um desconhecido , já de idade avançada e sem qualquer obra relevante - afirmar que o fez acordar do seu "sono dogmático".

No entanto, para além dos seus trabalhos no âmbito da filosofia, Hume ascendeu à fama literária como ensaísta e historiador, com seu célebre História da Inglaterra.

Hume viveu a última década da sua vida em Edimburgo, no novo aldeamento de New Town .
pensamento de Hume possui ainda relevância extraordinária na filosofia actual , com imensa influência. Eis algumas das suas principais contribuições para a filosofia:
O problema da causalidade
Quando um evento provoca um outro evento, a maioria das pessoas pensa que estamos conscientes de uma conexão entre os dois que faz com que o segundo siga o primeiro.

Hume questionou esta crença, notando que se é óbvio que nos apercebemos de dois eventos, não temos necessariamente de aperceber uma conexão entre os dois. E como havemos nós de nos aperceber desta misteriosa conexão senão através da nossa percepção ?

Hume negou que possamos fazer qualquer idéia de causalidade que não através do seguinte: Quando vemos que dois eventos sempre ocorrem conjuntamente, tendemos a criar uma expectativa de que quando o primeiro ocorre, o segundo seguirá.

Esta conjunção constante e a expectativa dela são tudo o que podemos saber da causalidade, e tudo o que a nossa ideia de causalidade pode inferir. Uma tal conceptualização rouba à causalidade a sua força e alguns Humeanos posteriores, como Russell , desmentiram a noção de causalidade no geral como algo de parecido com a superstição.

Mas isto é uma violação do senso-comum . O problema da causalidade: O que justifica a nossa crença numa conexão causal? Que tipo de conexão podemos perceber? É um problema que não tem solução unânime. A perspectiva de Hume parece ser que nós temos uma crença na causalidade semelhante a um instinto, que se baseia no desenvolvimento dos hábitos na nossa mente. Uma crença que não pode ser eliminada mas que também não pode ser provada verdadeira por nenhum argumento, dedutivo ou indutivo, tal como na questão da nossa crença na realidade do mundo exterior.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O empirismo



O empirismo (de empeiria = experiência) opõe à tese do racionalismo (segundo a qual o pensamento, a razão, é a verdadeira fonte de conhecimento), a antítese que diz: a única fonte do conhecimento humano é a experiência. Na opinião do empirismo, não há qualquer património a priori da razão. A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tábua rasa, uma folha em branco onde a experiência escreve. Todos os nossos conceitos, incluindo os mais gerais e abstractos, procedem da experiência. Enquanto o racionalismo se deixa levar por uma ideia determinada, por uma ideia de conhecimento, o empirismo parte dos factos concretos. Para justificar a sua posição, recorre à evolução do pensamento e do conhecimento humanos. Esta evolução prova, na opinião do empirismo, a alta importância da experiência na produção do conhecimento. A criança começa por ter percepções concretas. Com base nessas percepções chega, paulatinamente, a formar representações gerais e conceitos. Estes nascem, por conseguinte, organicamente da experiência. Não se encontra nada semelhante a esses conceitos que existem completos no espírito ou se formam com total independência da experiência. A experiência apresenta-se, pois, como a única fonte do conhecimento.
Enquanto os racionalistas procedem da matemática a maior parte das vezes, a história do empirismo revela que os seus defensores procedem quase sempre das ciências naturais. Isto é compreensível. Nas ciências naturais a experiência representa o papel decisivo. Nelas trata-se sobretudo de comprovar exactamente os factos mediante uma cuidadosa observação. O investigador está completamente entregue à experiência. É muito natural que quem trabalha de preferência ou exclusivamente com este método das ciências naturais, tenha tendência para de antemão colocar o factor empírico sobre o racional. Enquanto que o filósofo de orientação matemática chega facilmente a considerar o pensamento como a fonte única do conhecimento, o filósofo que vem das ciências naturais tenderá para considerar a experiência como fonte e base de todo o conhecimento humano.
J. Hessen, Teoria do Conhecimento, Almedina



1. Explique o alcance da seguinte afirmação: "Na opinião do empirismo, não há qualquer património a priori da razão. A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da experiência".
2. Discuta a cumplicidade existente entre o empirismo e as ciências naturais.
3. Produza um texto onde torne evidentes as principais diferenças existentes entre a concepção empirista e o racionalismo filosófico.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Textos de Descartes

1. Dúvida
"[...] admiti anteriormente como absolutamente certas e manifestas muitas coisas que, entretanto, depreendi depois serem duvidosas. Que coisas foram estas? A Terra, o Céu, os Astros, e todas as coisas que recebi pelos sentidos. Mas o que compreendia eu delas, com clareza? As próprias ideias ou pensamentos de tais coisas, que se apresentavam ao meu espírito. E ainda agora não contesto que estas ideias estão de facto em mim. [...] Mas que mais? Quando considerava nos temas da Aritmética e da Geometria coisas absolutamente simples e fáceis, como dois mais três são cinco, e equivalentes, não as intuí pelo menos bastante claramente para afirmar que são verdadeiras? Posteriormente, só fiz o juízo de que se devia duvidar delas porque me vinha ao espírito que possivelmente um certo Deus podia ter-me dado uma tal natureza que eu também me enganasse sobre aquelas coisas que parecem mais manifestas. Mas sempre que esta opinião sobre o poder supremo de Deus, concebida anteriormente, me ocorre, não posso deixar de confessar que a ele lhe é fácil, se o quiser, conseguir que eu erre também naquilo que intuo do modo mais evidente pelos olhos do espírito."

2. Cogito
"[...] persuadi-me que não havia absolutamente nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos. Não me persuadi também de que eu próprio não existia? Pelo contrário, eu existia com certeza se me persuadi de alguma coisa. Mas há um enganador, não sei qual, sumamente poderoso, sumamente astuto, que me engana sempre com a sua indústria. No entanto, não há dúvida de que também existo, se me engana; que me engane quanto possa, não conseguirá nunca que eu seja nada enquanto eu pensar que sou alguma coisa. De maneira que, depois de ter pesado e repesado muito bem tudo isto, deve por último concluir-se que esta proposição Eu sou, eu existo, sempre que proferida por mim ou concebida pelo meu espírito, é necessariamente verdadeira."

3. Deus
a) " ... é manifesto, pela luz natural, que deve haver pelo menos tanta realidade objectiva na causa ... como no efeito da mesma causa. Porque, pergunto, de onde pode o efeito tirar a sua realidade, a não ser da causa? E de que modo poderia ela conferir-lha se não a possuísse também? Daqui se segue que nem algo pode provir do nada, nem também aquilo que é mais perfeito, isto é, que contém em si mais realidade, daquilo que contém menos perfeição."

b) "Quanto ao que é claro e distinto nas ideias das coisas corpóreas, parece-me que alguma coisa poderia ser tirada da ideia de mim mesmo ... De maneira que só resta a ideia de Deus, na qual se deve considerar se há alguma coisa que não pudesse provir de mim próprio. Pelo nome de Deus compreendo uma certa substância infinita, independente, sumamente inteligente, omnipotente, e pela qual foram criados quer eu mesmo, quer tudo o resto que existe, se é que alguma coisa existe. O que, sem dúvida, é tão notável que quanto mais cuidadosamente atento nessa ideia tanto menos parece que eu possa tirar só de mim a sua origem. E, por conseguinte, do atrás dito deve concluir-se que Deus existe necessariamente. Porque, embora pela razão de eu ser uma substância esteja em mim uma certa ideia de substância, no entanto, como sou finito, não seria a ideia de uma substância infinita, a não ser que procedesse de outra substância que fosse realmente infinita."

c) "Agora parece que enxergo um certo caminho pelo qual se é conduzido desta contemplação do Deus verdadeiro ... ao conhecimento de todas as outras coisas. Em primeiro lugar, reconheço que é impossível que ele me engane alguma vez, porque em toda a falácia ou logro se descobre alguma imperfeição. E embora poder enganar pareça ser uma certa prova de subtileza de espírito ou de poder; querer enganar atesta, sem dúvida nenhuma, malícia ou fraqueza de espírito: o que, por isso, não pertence a Deus. A seguir, verifico que há em mim uma certa faculdade de julgar que, certamente, recebi de Deus, como todas as restantes coisas que há em mim; e, porque ele não me quer enganar, com certeza não ma deu tal que, quando rectamente a uso, possa errar alguma vez."

4. Ideias inatas
"E agora, depois de ter notado o que se deve evitar e o que se deve fazer para atingir a verdade, parece-me que nada é mais urgente do que emergir das dúvidas em que caí nos dias precedentes e ver se posso conhecer algo de certo sobre as coisas materiais. E, na verdade, antes de inquirir se tais coisas existem for a de mim, devo considerar as ideias delas, na medida em que estão no meu pensamento, e ver quais são as distintas e quais são as confusas. Assim, imagino distintamente a quantidade, que os filósofos chamam vulgarmente quantidade contínua, ou seja, a extensão desta quantidade ou, melhor, de uma coisa maior ou menor, segundo o comprimento e largura e a profundidade. Nela posso contar várias partes e atribuir-lhes toda a espécie de grandezas, figuras, situações e movimentos locais, e a estes movimentos quaisquer durações. E não conheço apenas perfeitamente e com evidência estas coisas, assim genericamente consideradas. Além disso, se presto atenção, concebo também inúmeras particularidades sobre as figuras, o número, o movimento, e coisas semelhantes, cuja verdade é tão clara e tão consentânea com a minha natureza que, logo que as começo a descobrir, parece-me que não aprendo qualquer coisa de novo, mas que, ao contrário, me recordo do que já anteriormente sabia: ou seja, que presto atenção, pela primeira vez, a coisas que há muito tempo já estavam dentro de mim, sem que eu antes tivesse dirigido para elas a minha atenção."

DESCARTES, Meditações sobre a Filosofia Primeira

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Descartes



"Esta dúvida radical é a cruz do método cartesiano. Como mostram a segunda e quarta regras, o seu método é analítico: procede pela divisão das coisas e dos pensamentos. E o instrumento de que serve para os dividir é fornecido pela primeira regra: "nada aceitar como verdadeiro" até o espírito, passo a passo, alcançar os elementos divididos, esses fundamentos "dos quais não tenha motivos para duvidar".

O cerne do pensamento cartesiano é expresso numa frase que ele usou frequentemente, (…) devemos duvidar de tudo. Pode parecer um conselho bastante cínico da parte de um homem religioso; e, com efeito não o tornou popular aos olhos dos homens religiosos. Quando Descartes usou o método da dúvida, chegou a uma posição religiosa, de algum modo paradoxalmente. Mas o seu objectivo ao usar o método foi sempre claro. Contrariamente a Michel Montaigne e outros cépticos contra quem escreveu, Descartes não estava interessado na atitude então na moda de duvidar pela própria dúvida. O seu fito, era, por meio da dúvida, descer até ao que pode ser encarado como certeza. Este era procedimento científico essencialmente usado pelos físicos seiscentistas, para os quais a dúvida representava um papel constante: "não aceitar nada como verdadeiro" até estar estabelecido, tanto quanto possível para lá de qualquer dúvida. (…)
Se se duvidar de tudo, que é que permanece por detrás da dúvida? Apenas o facto de duvidar. Isto pode parecer um expediente filosófico: mas, no fundo, está, por certo correcto. Não se pode duvidar sem estar a duvidar, isto é, sem ser mais do que o feixe de impressões sensíveis de que está a duvidar. Porque se se duvida, não se aceitam as impressões dos sentidos tal como se recebem; o universo não é já algo exterior imprimindo em nós impessoalmente as suas marcas. A relação ao universo torna-se pessoal; pelo processo da dúvida, exploramo-lo e reconstruímo-lo. E exploramo-nos a nós próprios, provamo-nos e fazemo-nos. Só o eu resiste à dúvida e a dúvida cria o eu.

É este pensamento que Descartes formulou numa das frases mais famosas da filosofia: (…) Penso logo existo." J. Bronowski, Bruce Mazlish, A Tradição Intelectual do Ocidente, Edições 70.

1. Explicite o significado da seguinte afirmação: " esta dúvida radical é a cruz do método cartesiano."


2. Torne evidente, fundamentando, o alcance filosófico da dúvida elaborada por Descartes.


Retirado do site Netprof.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O racionalismo


"A posição epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento humano, chama-se racionalismo (de ratio = razão). Segundo ele, um conhecimento só merece na realidade este nome quando é logicamente necessário e universalmente válido. Quando a nossa razão julga que uma coisa tem que ser assim e que não pode ser de outro modo, que tem de ser assim, portanto, sempre e em todas as partes, então, e só então, nos encontramos ante um verdadeiro conhecimento, na opinião do racionalismo. Um conhecimento desse tipo apresenta-se-nos, por exemplo, quando formulamos o juízo "o todo é maior do que a parte", ou o juízo "todos os corpos são extensos". Em ambos os casos vemos com evidência que tem de ser assim e que a razão se contradizia a si mesma se quisesse sustentar o contrário. E porque tem de ser assim, é também sempre e em todas as partes assim. Estes juízos possuem, pois, uma necessidade lógica e uma validade universal rigorosa.
Pelo contrário, sucede uma coisa muito diferente com o juízo "todos os corpos são pesados", ou no juízo "a água ferve a 100 graus". Neste caso só podemos ajuizar que é assim, mas não que tem de ser assim. É perfeitamente concebível que a água ferva a uma temperatura inferior ou superior; e também não significa uma contradição interna representar-se um corpo que não possua peso, pois a nota do peso não está contida no conceito do corpo. Estes juízos não têm, pois, necessidade lógica. E mesmo assim falta-lhes a rigorosa validade universal. Podemos julgar unicamente que a água ferve a 100 graus e que os corpos são pesados, até onde podemos comprová-lo. Estes juízos só são válidos, pois, dentro de limites determinados. A razão disto é que, nestes juízos, encontramo-nos limitados à experiência. Isto não acontece nos juízos primeiramente citados. Formulamos o juízo "todos os corpos são extensos" representando o conceito de corpo e descobrindo nele a nota da extensão. Este juízo não se funda, pois, em qualquer experiência mas sim no pensamento. Daqui resulta, portanto, que os juízos fundados no pensamento, os juízos que procedem da razão, possuem necessidade lógica e validade universal; os outros, pelo contrário, não a possuem. Todo o verdadeiro conhecimento se funda deste modo – assim conclui o racionalismo –, no pensamento. Este é, por conseguinte, a verdadeira fonte e base do conhecimento humano.
Uma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo à interpretação racionalista do conhecimento. Não é difícil dizer qual é: é o conhecimento matemático. Este é, com efeito, um conhecimento predominantemente conceptual e dedutivo. Na geometria, por exemplo, todos os conhecimentos derivam de alguns conceitos e axiomas supremos. O pensamento impera com absoluta independência de toda a experiência, seguindo somente as suas próprias leis. Todos os juízos que formula, distinguem-se, além disso, pelas características da necessidade lógica e da validade universal. Pois bem; quando se interpreta e concebe todo o conhecimento humano em relação a esta forma de conhecimento, chega-se ao racionalismo."
J. Hessen, Teoria do Conhecimento, Almedina

1. O texto de J. Hessen torna evidente as principais características do racionalismo. Seleccione do mesmo, cinco adjectivos que tornem evidente a especificidade desta corrente filosófica.
2. Produza um pequeno texto onde evidencie a cumplicidade entre o racionalismo e o pensamento matemático e geométrico.
(Retirado do site Netprof)

O racionalismo Platónico


Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contacto permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A primeira, é a realidade, mais concreta, permanente, imutável, igual a si mesma. A segunda são todas as coisas que nos afectam os sentidos, são realidades dependentes, mutáveis e são imagens das realidades inteligíveis.

Tal concepção de Platão também é conhecida por Teoria das Ideias ou Teoria das Formas. Foi desenvolvida como hipótese no diálogo Fédon e constitui uma maneira de garantir a possibilidade do conhecimento e fornecer uma inteligibilidade relativa aos fenómenos .

Para Platão, o mundo concreto percebido pelos sentidos é uma pálida reprodução do mundo das Ideias . Cada objecto concreto que existe participa, junto com todos os outros objectos de sua categoria, de uma Ideia perfeita. Uma determinada caneta, por exemplo, terá determinados atributos (cor, formato, tamanho, etc.). Outra caneta terá outros atributos, sendo ela também uma caneta, tanto quanto a outra. Aquilo que faz com que as duas sejam canetas é, para Platão, a Ideia de Caneta, perfeita, que esgota todas as possibilidades de ser caneta.

A ontologia de Platão diz, então, que algo é na medida em que participa da Ideia desse objecto . No caso da caneta é irrelevante, mas o foco de Platão são coisas como o ser humano, o bem ou a justiça, por exemplo.
O problema que Platão propõe-se a resolver é a tensão entre Heráclito e Parménides: para o primeiro, o ser é a mudança, tudo está em constante movimento e é uma ilusão a estabilidade , ou a permanência de qualquer coisa; para o segundo, o movimento é que é uma ilusão, pois algo que é não pode deixar de ser e algo que não é não pode ser, assim, não há mudança.

Ou seja (por exemplo), o que faz com que determinada árvore seja ela mesma desde o estágio de semente até morrer, e o que faz com que ela seja tão árvore quanto outra de outra espécie, com características tão diferentes? Há aqui uma mudança, tanto da árvore em relação a si mesma (com o passar do tempo ela cresce) quanto da árvore em relação a outra. Para Heráclito , a árvore está sempre mudando e nunca é a mesma, e para Parménides, ela nunca muda, é sempre a mesma e é uma ilusão sua mudança.

Platão resolve esse problema com sua Teoria das Ideias. O que há de permanente em um objecto é a Ideia, mais precisamente, a participação desse objecto na sua Ideia correspondente. E a mudança ocorre porque esse objecto não é uma Ideia , mas uma incompleta representação da Ideia desse objecto . No exemplo da árvore, o que faz com que ela seja ela mesma e seja uma árvore (e não outra coisa), a despeito de sua diferença daquilo que era quando mais jovem e de outras árvores de outras espécies (e mesmo das árvores da mesma espécie) é sua participação na Ideia de Árvore; e sua mudança deve-se ao fato de ser uma pálida representação da Ideia de Árvore.

Platão também elaborou uma teoria gnosiológica, ou seja, uma teoria que explica como se pode conhecer as coisas, ou ainda, uma teoria do conhecimento. Segundo ele, ao vermos um objecto repetidas vezes, uma pessoa lembra-se, aos poucos, da Ideia daquele objecto , que viu no mundo das Ideias . Para explicar como se dá isso, Platão recorre a um mito (ou uma metáfora) que diz que, antes de nascer, a alma de cada pessoa vivia em uma Estrela onde localizam-se as Ideias. Quando uma pessoa nasce, sua alma é "jogada" para a Terra, e o impacto que ocorre faz com que esqueça o que viu na Estrela. Mas ao ver um objecto aparecer de diferentes formas (como as diferentes árvores que se pode ver), a alma recorda-se da Ideia daquele objecto que foi vista na Estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis.


A reminiscência
Uma das condições para a indagação ou investigação acerca das Ideias é que não estamos em estado de completa ignorância sobre elas. Do contrário, não teríamos nem desejo nem poder de procurá-las. Em vista disso, é uma condição necessária (para tal investigação) que tenhamos em nossa alma alguma espécie de conhecimento ou lembrança de nosso contacto com as Ideias contacto esse ocorrido antes do nosso próprio nascimento) e nos recordamos das Ideias por vê-las reproduzidas palidamente nas coisas. Deste modo, toda a ciência platónica é uma reminiscência. A investigação das Ideias supõe que as almas preexistiram em uma região divina onde contemplavam as Ideias . Podemos tomar como exemplo o Mito da Parelha Alada, localizado no diálogo Fedro, de Platão. Neste diálogo, Platão compara a raça humana a carros alados. Tudo o que fazemos de bom, dá forças às nossas asas. Tudo o que fazemos de errado, tira força das nossas asas. Ao longo do tempo fizemos tantas coisas erradas que nossas asas perderam as forças e, sem elas para nos sustentarmos, caímos no Mundo Sensível, onde vivemos até hoje. A partir deste momento, fomos condenados a vermos apenas as sombras do Mundo das Ideias .


Conhecimento
Platão não buscava as verdadeiras essências da forma física como buscavam Demócrito e seus seguidores, sob influência de Sócrates buscava a verdade essencial das coisas. Platão não poderia buscar a essência do conhecimento nas coisas, pois estas são corruptíveis, ou seja, variam, mudam, surgem e se vão. Como o filósofo deveria buscar a verdade plena, deveria buscá-la em algo estável, as verdadeiras causas, pois logicamente a verdade não pode variar, se há uma verdade essencial para os homens esta verdade deve valer para todas as pessoas. Logo, a verdade deve ser buscada em algo superior. Nas coisas devem ter um outro fundamento, que seja além do físico, a forma de buscar estas realidades vem do conhecimento, não das coisas, mas do além das coisas. Esta busca racional é contemplativa, isto significa buscar a verdade no interior do próprio homem. Porém o próprio homem não é meramente sujeito particular, mas como um participante das verdades essenciais do ser.

Platão assim como seu mestre Sócrates busca descobrir as verdades essenciais das coisas. O conhecimento era assim o conhecimento do próprio homem, mas sempre ressaltando o homem não enquanto corpo, mas enquanto alma. O conhecimento que continha na alma era a essência daquilo que existia no mundo sensível, assim em Platão também a técnica e o mundo sensível eram secundários. A alma humana enquanto perfeita participa do mundo perfeito das ideias, porém este formalismo só é reconhecível na experiência sensível.

Também o conhecimento tinha fins morais, isto é, levar o homem à bondade e à felicidade. Assim a forma de conhecimento era um reconhecimento, que faria o homem dar-se conta das verdades que sempre já possuía e que o levavam a discernir melhor dentre as aparências de verdades e as verdades. A obtenção do autoconhecimento era um caminho árduo e metódico.

Referente ao mundo material o homem pode ter somente a doxa (opinião) e téchne (técnica), que permitia a sobrevivência do homem, ao passo que referente ao mundo das ideias, ou verdadeiro conhecimento filosófico, o homem pode ter a episthéme (verdadeiro conhecimento).

Platão não defendia que todas as pessoas tivessem iguais acessos à razão. Apesar de todos terem a alma perfeita, nem todos chegavam à contemplação absoluta do mundo das ideias.

O problema da origem do conhecimento


Relativamente ao problema da origem do conhecimento, existem duas concepções diferentes:

Para o racionalismo, corrente filosófica que iniciou com a definição do raciocínio que é a operação mental, discursiva e lógica. Este usa uma ou mais proposições para extrair conclusões se uma ou outra doutrinas conhecidas tradicionalmente como racionalismo.
Segundo Descartes:

"O racionalismo pode consistir em considerar a razão como essência do real, tanto natural quanto histórico. Sustenta a primazia da razão, da capacidade de pensar, de raciocinar, em relação ao sentimento e à vontade, pressupondo uma hierarquia de valores entre as faculdades psíquicas; ou a posição segundo a qual somente a análise lógica ou a razão pode propiciar desta forma o desenvolvimento da análise científica do método matemático que passa a ser considerado como instrumento puramente teórico e dedutivo, que prescinde de dados empíricos, aplicados às ciências físicas que levaram a uma crescente fé na capacidade do intelecto humano para isolar a essência no real e ao surgimento de uma série de sistemas metafísicos fundados na convicção de que a razão constitui o instrumento fundamental para a compreensão do mundo, cuja ordem interna, aliás, teria um carácter racional."
Conforme descrito acima, da obra de Descartes, o conjunto de aptidões em função das quais os indivíduos aprendem mais rapidamente novas informações e se revelam mais eficientes no manejo e aproveitamento adequado de conhecimentos já armazenados por meio de aprendizagens anteriores e empíricas, estas podem fazer com que através da análise lógica se descubram processos ou sistemas mais rapidamente pelo método lógico e matemático, ao invés do método empírico, pois o empirismo leva em conta a tentativa e erro, enquanto que o método lógico e a análise crítica levam às respostas necessárias minimizando a necessidade do experimentalismo prático. Esta visão chamada de cartesiana alterou e acelerou as descobertas científicas. O racionalismo dominou e domina até os dias de hoje o método científico de análise lógica.



Por seu lado, a doutrina do empirismo foi definida explicitamente pela primeira vez pelo filósofo inglês John Locke.Este filósofo argumentou que a mente seria, originalmente, um "quadro em branco" (tábua rasa), sobre o qual é gravado o conhecimento, cuja base é a sensação. Ou seja, todas as pessoas, ao nascer, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressão nenhuma, sem conhecimento algum. Todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro.

Historicamente, o empirismo opõe-se à escola conhecida como racionalismo, segundo a qual o homem nasceria com certas ideias inatas, as quais iriam "aflorando" à consciência e constituiriam as verdades acerca do Universo. A partir dessas ideias, o homem poderia entender os fenômenos particulares apresentados pelos sentidos. O conhecimento da verdade, portanto, independeria dos sentidos físicos.

Em seu livro Ensaio Sobre o Entendimento Humano, Locke descreve a mente humana como uma tábua rasa (literalmente, uma "ardósia em branco"), onde, por meio da experiência, vão sendo gravadas as ideias. A partir dessa análise empirista da epistemologia Locke diferencia dois tipos de ideias: as ideias simples, sobre as quais não se poderia estabelecer distinções, como a de amarelo, duro, etc., e as ideias complexas, que seriam associações de ideias simples (por exemplo ouro — que é uma substância dura e de cor amarelada). Com isso, formaría-se um conceito abstracto da substância material.

No século XVIII, Berkeley desenvolve o empirismo de John Locke mas não admite a passagem dos conhecimentos fornecidos pelos dados da experiência para o conceito abstracto de substância material. Por isso, Berkeley afirma que uma substância material não pode ser conhecida em si mesma. O que se conhece, na verdade, resume-se às qualidades reveladas durante o processo perceptivo. Assim, o que existe realmente nada mais é que um feixe de sensações. Daí sua famosa frase: ser é ser percebido.

O alcance do cepticismo


"Passamos assim de algumas crenças tradicionais semi-inadvertidas, para outras racionalmente verificadas. Se a crença na própria razão, que alguns consideraram "uma velha enganadora", como Nietzsche afirmava a respeito da gramática? E a crença na verdade? Não poderiam ser também ilusões nada fiáveis e fontes de outras ilusões perigosas? Muitos filósofos se questionaram sobre estas perguntas: longe de serem todos eles decididos racionalistas, isto é, crentes na eficácia da razão, não faltam os que levantaram sérias dúvidas sobre ela e sobre a própria noção de verdade que pretende atingir. Alguns são cépticos, quer dizer, põem em questão ou negam rotundamente a capa cidade da razão para estabelecer verdades conclusivas. Outros, são relativistas, ou seja, acham que não existem verdades absolutas mas apenas relativas conforme a etnia, o sexo, a posição social ou os interesses de cada um e que por isso nenhuma forma universal da razão pode ser válida para todos. Há também os que não gostam da razão pelo seu avanço laborioso, cheio de erros e tentativas, para se declararem partidários de uma forma de conhecimento superior, muito mais intuitiva ou directa, que não deduz ou conclui a verdade mas descobre-a por revelação ou visão imediata. Antes de avançar mais temos de considerar resumidamente as objecções destes dissidentes.
Comecemos pelo cepticismo que põe em dúvida todos e cada um dos conhecimentos humanos, e mais ainda, que duvida até da capacidade humana de vir a ter algum conhecimento digno desse nome. Porque é que a razão não pode dar conta nem compreender como é a realidade? Suponhamos que estamos a ouvir uma sinfonia de Beethoven e que, com papel e lápis, tentamos desenhar a harmonia que ouvimos. Pintaremos diversos traços, talvez semelhantes a picos quando a música é mais intensa e linhas para baixo quando se suaviza, círculos quando nos envolve de modo agradável e dentes de serra quando nos desassossega, florinhas para indicar que soa liricamente e botas militares quando se ouvem os trompetes, etc. Depois, muito satisfeitos, consideraremos que nesse papel está a "verdade" da sinfonia. Mas, haverá alguém capaz de se aperceber de facto daquilo que é a sinfonia sem mais ajuda que estas garatujas? Pois do mesmo modo talvez a razão humana fracasse ao tentar reproduzir e captar a realidade, de cujo registo está tão afastada como o desenho da música... Para o céptico, todo o suposto conhecimento humano é no mínimo duvidoso e no fim das contas pouco ou nada descobre do que pretendíamos saber. Quando o examinamos a finado não existe conhecimento verdadeiramente certo nem sequer fiável.
A primeira resposta ao cepticismo é óbvia: será que o céptico tem como certa e fiável pelo menos a sua crença no cepticismo? Quem diz "só sei que nada sei não aceitará pelo menos que conhece uma verdade, a do seu não saber? Se nada é verdade, não é verdade pelo menos que nada é verdade? Numa palavra, ao cepticismo é censurado ser contraditório consigo próprio: se é verdade que não conhecemos a verdade, pelo menos já conhecemos uma verdade, logo não é verdade que não conheçamos a verdade. (A esta objecção o céptico poderia responder que não duvida da verdade mas duvida que possamos distingui-la sempre fiavelmente do falso...) Outra contradição: o céptico pode dar bons argumentos contra a possibilidade de conhecimento racional mas para isso precisa de utilizar a razão argumentativa: tem que raciocinar para nos convencermos (e convencer-se a si próprio!) de que raciocinar não serve para nada. Pelos vistos, nem sequer se pode rejeitar a razão sem a utilizar. Terceira dúvida face à dúvida: podemos sustentar que cada uma das nossas crenças concretas é falível (ontem acreditávamos que a Terra era plana, hoje que é redonda e amanhã... quem sabe!) mas se nos enganamos deve entender-se que poderíamos acertar, porque se não há possibilidade de acerto – quer dizer, de conhecimento verdadeiro, mesmo que ainda não se tenha dado –, também não há possibilidade de erro. O pior do cepticismo não é impedir-nos de afirmar algo de verdadeiro mas impedir-nos até de dizer algo de falso. Quarta refutação, mais grosseira: quem não acredita na verdade de nenhum das nossas crenças não deveria ter muita dificuldade em sentar-se na linha do comboio à espera do próximo expresso ou saltar de um sétimo andar, pois pode ser que o medo inspirado por essas condutas se baseie em simples mal-entendidos. Bem sei que estou a utilizar um golpe baixo. De qualquer forma, o cepticismo chama a atenção para uma questão muito inquietante: como podemos conhecer algo acerca da realidade, quer seja pouco ou muito? Como é que nós os humanos, podemos atingir o que a realidade éde facto, com os nossos grosseiros meios sensoriais e intelectuais?... É chocante que um simples mamífero possa possuir alguma chave para interpretar o universo! O físico Albert Einstein, talvez o maior cientista do século xx, disse uma vez: "O que é mais incompreensível na natureza é que nós possamos pelo menos em parte compreendê-la." E Einstein não duvidava de que a compreendemos pelo menos em parte. A que se deve este milagre? Será que é porque existe em nós uma chispa divina, porque temos algo de deuses, mesmo que seja da série Z? Mas talvez não seja o nosso parentesco com os deuses o que nos permita conhecer, mas a nossa pertença àquilo que desejamos conhecer: somos capazes – pelo menos parcialmente – de compreender a realidade porque fazemos parte dela e estamos feitos de acordo com princípios semelhantes. Os nossos sentidos e a nossa mente são reais e por isso conseguem melhor ou pior reflectir o resto da realidade."
Fernando Savater, As Perguntas da Vida, pp. 52 a 58

1. O texto refere a existência de três tipos de cepticismo. Identifique-os e saliente a diferenças expostas por Fernando Savater.
2. Exponha as refutações, que segundo o texto, se podem fazer ao cepticismo filosófico.
3. "O cepticismo não deve ser encarado sob o prisma de uma total negatividade. Em muitas situações ele representa um avanço na nossa capacidade para conhecer o mundo" Concorda com esta afirmação? Justifique a sua resposta.
(Retirado do site Netprof)

O problema da possibilidade do conhecimento


Relativamente ao problema da possibilidade do conhecimento temos duas posições distintas:
De um modo geral, o Dogmatismo é uma espécie de fundamentalismo intelectual. Os dogmas expressam verdades certas, indubitáveis e não sujeitas a qualquer tipo de revisão ou crítica. Deve-se ao filósofo alemão Kant e sua obra Crítica da Razão Pura o significado filosoficamente pejorativo do termo. Dogmatismo é uma atitude natural e espontânea que temos desde muito crianças. É nossa crença de que o mundo que existe é exactamente da forma como o percebemos.
O Cepticismo filosófico originou-se a partir da Filosofia Grega. Uma das suas primeiras propostas foi feita por Pirro de Elis (360-275 a.C.), que viajou até a Índia e lá estudou, e propôs a adopção do cepticismo "prático" .
Ou seja, o cepticismo filosófico é procurar saber, não se contentando com a ignorância fornecida actualmente pelos meios públicos, por meio da dúvida. Opõem-se ao dogmatismo, em que é possível conhecer a verdade.

O problema da Natureza do Conhecimento


A nível da natureza do conhecimento encontramos duas posições:

- para o Realismo, os universais existem objectivamente , seja na forma de realidades em si, transcendentes em relação aos particulares (como em Platão, universais ante rem ), ou como imanentes encontrados nas coisas individuais (como para Aristóteles, universidade in re ).

- para o Idealismo, sendo o primado do EU subjectivo , no entanto não significa necessariamente reduzir a realidade ao pensamento. Assim, na filosofia idealista, o postulado básico é que Eu sou Eu, no sentido de que o Eu é objecto para mim (Eu). Ou seja, a velha oposição entre sujeito e objecto se revela no idealismo como incidente no interior do próprio eu, uma vez que o próprio Eu é o objecto para o sujeito (Eu).

Podemos, considerá-lo em várias perspectivas, tais como:

1. Qualquer teoria filosófica em que o mundo material, objectivo , exterior só pode ser compreendido plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou subjectiva . Seus opostos seriam representados pelo realismo ('na filosofia moderna') ;

2. No sentido ontológico, doutrina filosófica, cujo exemplo mais conhecido é o platonismo, segundo a qual a realidade apresenta uma natureza essencialmente espiritual, sendo a matéria uma manifestação ilusória, aparente, incompleta, ou mera imitação imperfeita de uma matriz original constituída de formas ideais inteligíveis e intangíveis;

3.No sentido gnosiológico, tal como ocorre em Kant, teoria que considera o sentido e a inteligibilidade de um objecto de conhecimento dependente do sujeito que o compreende, o que torna a realidade cognoscível heterónima, carente de auto-suficiência, e necessariamente redutível aos termos ou formas ideais que caracterizam a subjectividade humana;

4. Idealismo absoluto: Doutrina idealista inerente ao hegelianismo, caracterizada pela suposição de que a única realidade plena e concreta é de natureza espiritual, sendo a compreensão materialística ou sensível dos objectos um estágio pouco evoluído e superável no paulatino desenvolvimento cognitivo da subjectividade humana.

Idealismo dogmático: Idealismo, especialmente em Berkeley, que se caracteriza por negar a existência dos objectos exteriores à subjectividade humana [Termo cunhado pelo filósofo alemão Kant (1724-1804) para designar uma orientação idealista com a qual não concorda.]. Seu oposto seria o idealismo transcendental.

Idealismo imaterialista: Idealismo defendido por Berkeley (1685-1753) que, partindo de uma perspectiva empirista, na qual a realidade se confunde com aquilo que dela se percebe, conclui que os objectos materiais reduzem-se a ideias na mente de Deus e dos seres humanos;

5.Idealismo transcendental (também chamado formal ou crítico): Doutrina kantiana, segundo a qual os fenómenos da realidade objectiva, por serem incapazes de se mostrar aos homens exactamente tais como são, não aparecem como coisas-em-si, mas como representações subjectivas construídas pelas faculdades humanas de cognição. O seu oposto seria o idealismo dogmático.

Crença verdadeira e conhecimento


Sócrates – Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para evitar cair na contradição?
Teeteto – Precisamente o que estávamos a dizer na resposta anterior. Eu, pelo menos não consigo pensar em nada melhor.
Sócrates – O quê?
Teeteto – Que a crença verdadeira é conhecimento; ao menos a crença verdadeira é infalível e tudo o que dela resulta é nobre e bom. (…)
Sócrates – A questão não exige um exame prolongado, pois há uma profissão que mostra que o conhecimento não é o que estás a dizer que é.
Teeteto – Com assim? Que profissão é essa?
Sócrates – A desses grandes exemplos de sabedoria, que são os oradores e advogados. Tais indivíduos, utilizam a sua arte para produzir convicção nos outros sem os ensinarem, fazendo as pessoas acreditar no que eles querem que acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão habilidosos que, no breve tempo que a clepsidra lhe permite, sejam capazes de ensinar devidamente a verdade aos ouvintes sobre um roubo ou outro crime qualquer de que não há testemunhas?
Teeteto – De modo algum acredito nisso. Creio que eles se limitam a persuadir os ouvintes.
Sócrates – Estás então a dizer que persuadir alguém é levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto – Sem dúvida.
Sócrates – Então, quando os juízes são justamente persuadidos de algo que só uma testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses assuntos por ouvir dizer e ao formarem uma crença verdadeira, tomaram a sua decisão sem saber se deram uma sentença correcta, ainda que tenham sido persuadidos da verdade?
Teeteto – Com certeza.
Sócrates – Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa, nem sequer o juiz mais competente teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é que se trata de duas coisas distintas.
Teeteto – Lembro-me agora que eu já tinha ouvido alguém falar dessa distinção: que a crença verdadeira acompanhada de justificação é conhecimento e que desprovida de justificação, ela está fora do conhecimento. (…)
Sócrates – Ora bem, quando alguém possui uma crença verdadeira sobre alguma coisa sem justificação, pensa verdade acerca disso, mas não a conhece. Portanto, aquele que não for capaz de dar e de receber uma justificação sobre algo, ignora-o. Mas quando tem uma justificação, não só tudo é possível, como está completamente na posse do conhecimento. (…)
Teeteto – Precisamente.
Sócrates – Teeteto, será que acabámos de descobrir aquilo que há muito os sábios procuram sem encontrar?
Teeteto – Assim me parece, Sócrates. O que acabámos de dizer parece-me acertado.
Sócrates – É possível que sim, pois que o conhecimento poderia haver sem justificação e sem crença verdadeira. (…)
Platão, Teeteto, pp. 200d-202d
1. Tendo presente o exemplo da profissão fornecido por Sócrates (oradores e advogados), torne evidente o motivo pelo qual se podem encontrar diferenças entre conhecimento e crença verdadeira.

(Retirado do site netprof)

Da percepção à razão


«A percepção dos sentidos é, portanto, fortemente determinada pela disposição total da mente e do corpo. Mas, por sua vez, esta disposição relaciona-se, de maneira significativa, com a cultura geral e estrutura social. Do mesmo modo, a percepção através da mente é também governada por todos estes factores. Por exemplo, um grupo de pessoas passear numa floresta vê e responde de maneira diversa ao ambiente. O lenhador vê a floresta como uma fonte de madeira, o artista como algo digno de ser pintado, o caçador, como esconderijo para a caça, e o pedestrianista, como espaço natural a explorar. Em cada caso, o bosque e as suas árvores individuais são percebidos de modo muito diferente, na dependência da formação e expectativas dos passeantes.»
D. Bohm e F. D. Peat, Ciência, Ordem e Criatividade,Lisboa, Gradiva, 1989, p. 91

Esclarece o sentido desta aparente contradição: Pai e filho foram ao cinema. Viram o mesmo filme, mas não viram o mesmo filme.

Elabora um pequeno texto de carácter argumentativo, em que fundamentes as razões da tua concordância ou discordância com a afirmação seguinte:"Para pensar o mundo, temos primeiro de percepcionar o mundo."
M. Conford.

In J. Vieira Lourenço, Razão e Sentido – Introdução à Filosofia 11º ano ,Porto, Porto Editora, 1998, p. 155

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Epistemologia


"Epistemologia ou teoria do conhecimento (do grego ἐπιστήμη [episteme], ciência, conhecimento; λόγος logos], discurso) é um ramo da filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e ao conhecimento.
A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento (daí também se designar por filosofia do conhecimento). Ela se relaciona ainda com a metafísica, a lógica e o empirismo, uma vez que avalia a consistência lógica da teoria e sua coesão fatual, sendo assim a principal dentre as vertentes da filosofia (é considerada a "corregedoria" da ciência). Sua problematização compreende a questão da possibilidade do conhecimento: Será que o ser humano conseguirá algum dia atingir realmente o conhecimento total e genuíno, fazendo-nos oscilar entre uma resposta dogmática ou empirista? Outra questão abrange os limites do conhecimento: Haverá realmente a distinção entre o mundo cognoscível e o mundo incognoscível? E finalmente, a questão sobre a origem do conhecimento: Por quais faculdades atingimos o conhecimento? Haverá conhecimento certo e seguro em alguma concepção a priori?
Há ainda outras questões relativas ao conhecimento, como a apostasia da ciência de seu verdadeiro sentido e sua aproximação à outras formas de aprendizado com estruturas ilógicas e irracionais: O senso comum, a filosofia e a ciência, no mais das vezes, dão um caráter universal ao contingente, tornando-o dogmático. Assim, a ciência, que sempre julgou-se detentora única do saber, vê-se inserida em seu coexistente princípio de contradição." Retirado do site http://www.enciclopedia.com.pt/articles.php?article_id=685