domingo, 22 de março de 2009

Ciência e Dogmatismo

Os defensores do cientismo, aliás actualmente em regressão perante as dificuldades reais da ciência, profetizam o triunfo dos métodos positivos chamados a resolver todos os problemas humanos. Nesta perspectiva messiânica, a ciência devia libertar a humanidade de qualquer obediência e formular os valores espirituais em termos definitivos. O grande sábio que foi Berthelot exprimia, sobre este assunto, as convicções do final do século XIX. A ciência, escrevia ele, "reclama hoje, simultaneamente, a direcção material e a direcção moral das sociedades. Sob o seu impulso, a civilização moderna avança cada vez mais rapidamente. (...) A ciência tudo domina: por si só ela presta serviços definitivos. Nenhum homem, nenhuma instituição, terá doravante uma autoridade durável, se não se conformar os seus ensinamentos. Esta afirmação dogmática de um processo ligado ao desenvolvimento da ciência parece-nos, hoje, pertencer às fantasias de uma ingénua e dourada lenda científica, que ninguém ousaria jamais tomar por sua conta. A ciência instrui-nos através de múltiplos desastres. As promessas da ciência são também ameaças. Em todo o caso, ela é incapaz de economizar qualquer escolha que se coloque à comunidade humana. Ela não anula nem a liberdade nem a responsabilidade da pessoa."
Georges Gusdorf, Mythe et Métaphysique; Flammarion, Paris, 1984, p. 322.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Falsificacionismo

"Outra saída para o problema da indução, pelo menos tal como ela afecta o tema do método científico, é negar que a indução seja a base do método científico. O falsificacionismo , a filosofia da ciência desenvolvida por Karl Popper (1902-1994), entre outros, ocasiona isso mesmo. Os falsificacionistas, defendem que a perspectiva simples da ciência está errada. Os cientistas não começam por fazer observações, começam com uma teoria. As teorias científicas e as chamadas leis da natureza não aspiram à verdade: ao invés, são tentativas especulativas de oferecer uma análise de vários aspectos da natureza. São conjecturas: suposições bem informadas, concebidas para serem melhores do que as teorias anteriores. Estas conjecturas são então sujeitas a testes experimentais. Mas estes testes têm um objectivo muito específico. Não pretendem demonstrar que a conjectura é verdadeira, mas antes demonstrar que é falsa. A ciência funciona tentando falsificar teorias, e não demonstrar que são verdadeiras. Qualquer teoria que se mostre ser falsa é abandonada ou, pelo menos falsificada. A ciência progride, assim, através de conjecturas e refutações. Nunca podemos ter a certeza, em relação a qualquer teoria, que ela é absolutamente verdadeira: em princípio qualquer teoria pode ser falsificada. Esta perspectiva parece adaptar-se bem ao progresso testemunhado na história da ciência: a visão ptolomaica do universo que coloca a Terra no seu centro, foi ultrapassada pela copernicana; a física de Newton foi ultrapassada pela física de Einstein. A falsificação tem pelo menos uma grande vantagem em relação à perspectiva simples da ciência: um único caso de falsificação é suficiente para mostrar que uma teoria não é satisfatória, ao passo que por mais observações que confirmem uma teoria, nunca podem ser suficientes para nos darem cem por cento de certeza de que a teoria será confirmada por todas as observações futuras. Esta é uma característica dos enunciados universais. Se digo "Todos os cisnes são brancos", basta a observação de um único cisne presto para refutar a minha teoria. Contudo, se eu observar dois milhões de cisnes brancos o próximo cisne que observar pode muito bem ser preto: por outras palavras, a generalização é muito mais fácil de refutar do que de demonstrar."Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 1998, pp.179-180

domingo, 15 de março de 2009

A perspectiva de Popper


"Outra saída para o problema da indução, pelo menos tal como ela afecta o tema do método científico, é negar que a indução seja a base do método científico. O falsificacionismo , a filosofia da ciência desenvolvida por Karl Popper (1902-1994), entre outros, ocasiona isso mesmo. Os falsificacionistas, defendem que a perspectiva simples da ciência está errada. Os cientistas não começam por fazer observações, começam com uma teoria. As teorias científicas e as chamadas leis da natureza não aspiram à verdade: ao invés, são tentativas especulativas de oferecer uma análise de vários aspectos da natureza. São conjecturas: suposições bem informadas, concebidas para serem melhores do que as teorias anteriores. Estas conjecturas são então sujeitas a testes experimentais. Mas estes testes têm um objectivo muito específico. Não pretendem demonstrar que a conjectura é verdadeira, mas antes demonstrar que é falsa. A ciência funciona tentando falsificar teorias, e não demonstrar que são verdadeiras. Qualquer teoria que se mostre ser falsa é abandonada ou, pelo menos falsificada. A ciência progride, assim, através de conjecturas e refutações. Nunca podemos ter a certeza, em relação a qualquer teoria, que ela é absolutamente verdadeira: em princípio qualquer teoria pode ser falsificada. Esta perspectiva parece adaptar-se bem ao progresso testemunhado na história da ciência: a visão ptolomaica do universo que coloca a Terra no seu centro, foi ultrapassada pela copernicana; a física de Newton foi ultrapassada pela física de Einstein. A falsificação tem pelo menos uma grande vantagem em relação à perspectiva simples da ciência: um único caso de falsificação é suficiente para mostrar que uma teoria não é satisfatória, ao passo que por mais observações que confirmem uma teoria, nunca podem ser suficientes para nos darem cem por cento de certeza de que a teoria será confirmada por todas as observações futuras. Esta é uma característica dos enunciados universais. Se digo "Todos os cisnes são brancos", basta a observação de um único cisne preto para refutar a minha teoria. Contudo, se eu observar dois milhões de cisnes brancos o próximo cisne que observar pode muito bem ser preto: por outras palavras, a generalização é muito mais fácil de refutar do que de demonstrar." Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Lisboa, Gradiva, 1998, pp.179-180


1. Explicitar a crítica à concepção tradicional de verificação da hipótese.

2. Relembrar as diferenças entre raciocínio indutivo e raciocínio dedutivo, bem como a questão que se coloca acerca da universalidade da premissa maior do raciocínio dedutivo - como saber que "Todos os X são…"

3. Enumerar:
a) Características do falsificacionismo implícitas no texto.

b) Vantagens do falsificacionismo, segundo o autor do texto.

c) Diferenças em relação às concepções tradicionais acerca da verificação das hipóteses, expressas no texto.

d) Explicação do progresso da ciência à luz do falsificacionismo, segundo o texto.

e) Implicações do falsificacionismo na concepção de verdade.

f) Razões que levam o autor do texto a aceitar o falsificacionismo.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Raciocínio indutivo e dedutivo


"O critério de demarcação inerente à lógica indutiva - isto é, o dogma positivista do significado do sentido - equivale a exigir que todos os enunciados da ciência empírica (ou todos os enunciados com sentido) sejam susceptíveis de uma decisão definitiva com respeito à sua verdade e à sua falsidade, podemos dizer que têm de ser " decidíveis" de modo concludente. Isto quer dizer que têm de ter uma forma tal que seja logicamente possível tanto verificá-los como falsificá-los. Assim disse Schlick: (...) Um autêntico enunciado tem que ser susceptível de verificação concludente; e Waismann escreve ainda com maior claridade: Se não é possível determinar se um enunciado é verdadeiro, então carece inteiramente de sentido: pois o sentido possível de um enunciado é o método da sua verificação. Ora bem, na minha opinião, não existe nada que possa chamar-se indução. Portanto, será logicamente inadmissível a inferência de teorias a partir de enunciados singulares que estão verificados pela experiência (o que quer que seja que isto queira dizer). Assim, pois as teorias não são verificáveis empiricamente. Se queremos evitar o erro positivista que o nosso critério de demarcação elimina dos sistemas teóricos da ciência, devemos eleger um critério que nos permita admitir no domínio da ciência empírica inclusive enunciados que não podem verificar-se. Mas, certamente só admitirei um sistema entre os científicos ou empíricos se é susceptível de ser contrastado pela experiência. Estas considerações sugerem- nos que o critério de demarcação que temos de adoptar não é o da verificabilidade, mas o da falsicabilidade dos sistemas. Dito de outro modo: não exigirei que um sistema científico possa ser seleccionado, de uma vez para sempre, num sentido positivo; mas sim que seja susceptível de selecção num sentido negativo por meio de contrastes ou provas empíricas: há- de ser possível refutar pela experiência um sistema científico empírico. Karl Popper, A Responsabilidade do Cientista e outros Escritos, Publicações D. Quixote.


1. Como podemos segundo o texto "evitar o erro positivista"?

2. Quais é segundo o texto a eficácia do critério da verificabilidade?

terça-feira, 10 de março de 2009

Validade e verificabilidade das hipótese


A observação implica um corpo de precauções que levam a reflectir antes de olhar, que modificam pelo menos a primeira visão, de sorte que a primeira observação nunca é boa. A observação científica é sempre uma observação polémica; confirma ou infirma uma tese anterior, um esquema prévio, um plano de observação, mostra demonstrando, hierarquiza as aparências; transcende o imediato; reconstrói o real depois de reconstruído os seus esquemas. É claro que, quando passamos da observação à experimentação, o carácter polémico do conhecimento se torna ainda mais nítido: Então o fenómeno há-de ser escolhido, filtrado, depurado (...) Ora, os instrumentos não são outra coisa senão teorias materializadas. Do que resultam fenómenos impregnados de teoria. G. Bachelard


1. Quais os motivos que nos permitem afirmar que "a primeira observação nunca é boa"?

2. "A observação é sempre uma observação polémica"

2.1. Realce a importância do carácter polémico da observação para a construção da verdade científica.

3. "Os instrumentos não são outra coisa senão teorias materializadas"

3.1. Tendo presente este extracto, comente a importância que desempenha a teoria na elaboração do conhecimento científico.
Retirado do site Netprof.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Estatuto do conhecimento científico


TEXTO

Acredito que a teoria pelo menos alguma teoria ou expectativa rudimentar sempre vem primeiro; que ela sempre precede a observação; e que o papel fundamental das observações e dos testes experimentais é mostrar que algumas das nossas teorias são falsas e, assim, estimular-nos a produzir outras melhores. Consequentemente, afirmo que não partimos de observações, mas sempre de problemas de problemas práticos ou de uma teoria que caiu em dificuldades. Uma vez que defrontemos um problema, podemos começar a trabalhar nele. Podemos fazê-lo por meio de tentativas de duas espécies: podemos prosseguir tentando primeiro supor ou conjecturar uma solução para o nosso problema; e podemos depois tentar criticar a nossa suposição, habitualmente fraca. Às vezes, uma suposição ou uma conjectura podem suportar por certo tempo a nossa crítica e os nossos testes experimentais. Mas, via de regra, logo descobrimos que as nossas conjecturas podem ser refutadas, ou que não resolvem o nosso problema, ou que só o solucionam em parte; e verificamos que mesmo as melhores soluções aquelas capazes de resistir à crítica mais severa das mentes mais brilhantes e engenhosas logo dão origem a novas dificuldades, a novos problemas. Assim podemos dizer que o crescimento do conhecimento avança de velhos problemas para novos problemas, por meio de conjecturas e refutações. Karl Popper, Conhecimento Objectivo



1. Qual é a importância que se deve atribuir às teorias?

2. Diga em que consiste o papel das observações.

3. Refira qual a importância desempenhada pelo problema na investigação científica.



TEXTO

(...) a tentativa de tornar a ciência mais "racional" e mais precisa corre, como já vimos, o risco de a anular. A diferença entre a ciência e a metodologia, facto mais do que evidente ao longo da história, indica uma fraqueza da última, e talvez também das "leis da razão". Porque aquilo que surge como "desleixo", "caos" ou oportunismo quando referido a essas leis desempenha uma função da máxima importância no desenvolvimento dessas mesmas teorias que consideramos partes essenciais do nosso conhecimento da natureza. Esses "desvios, esses"erros", são pré-condições do progresso. Permitem ao conhecimento sobreviver no mundo complexo e difícil que habitamos, permite-nos continuarmos a ser agentes livres e felizes. Sem "caos" não há conhecimento. Sem que a razão seja repetidamente desautorizada não há progresso. As ideias que hoje formam a base da ciência só existem porque existiram no passado certas coisas como o preconceito, a imaginação, a paixão; porque essas coisas se opuseram à razão; e porque tiveram a possibilidade de seguir o seu caminho. Devemos por isso concluir que mesmo no interior da ciência a razão não pode nem deve ser autorizada a incluir tudo, tendo que ser frequentemente desrespeitada, ou eliminada, em benefício de outras instâncias. Não há uma única regra que permaneça válida em todas as circunstâncias nem qualquer instância para a qual possamos apelar a todo o momento. Paul Feyerabend, Contra o Método



1. Será um conhecimento científico um empreendimento inteiramente racional?

2. Quais os requisitos necessários para se possa falar em progresso no domínio científico?



TEXTO

O que eu achava mais impressionante e mais perigoso em certas teorias era a pretensão de elas serem 'verificadas' ou 'confirmadas' por um fluxo incessante de provas observacionais. E, na verdade, assim que se abriam os olhos, podia ver-se por toda a parte casos que constituíam verificações dessas teorias. Um marxista não era capaz de olhar para um jornal sem encontrar em todas as páginas, desde os artigos de fundo até aos anúncios, provas que constituíam verificações da luta de classes; e encontrá-las-ia sempre também (e em especial) naquilo que o jornal não dizia. E um psicanalista diria sem dúvida que todos os dias, ou até de hora a hora, estava a ver as suas teorias a serem verificadas por observações clínicas. Mas seriam essas teorias testáveis? Estariam realmente essas análises mais bem testadas do que, digamos, os horóscopos, frequentemente 'verificados' dos astrólogos? Que acontecimento, que se poderia conceber que, aos olhos dos seus aderentes, as falsificasse? Não eram todos os acontecimentos imagináveis 'verificações'? Era precisamente esse facto o facto de que essas análises batiam sempre certo, de que eram sempre verificadas que impressionava os seus aderentes. Comecei a pensar que essa aparente força era, na verdade, uma fraqueza e que todas essas 'verificações' eram demasiadamente pouco válidas para serem tomadas por argumentos. O método de procurar verificações parecia-me pouco válido parecia-me, na verdade, ser o método típico de uma pseudociência. Apercebi-me da necessidade de se distinguir, tão claramente quanto possível, este método de um outro método o método de testar uma teoria tão severamente quanto se for capaz , isto é, o método da crítica, o método de procurar casos que constituam falsificação. O método de procurar verificações não era apenas acrítico: promovia também uma atitude acrítica quer em quem expunha quer em quem lia. Ameaçava, assim, destruir a atitude da racionalidade, da argumentação crítica. Karl Popper, O Realismo e o Objectivo da Ciência



1. Deve uma teoria ser considerada científica pelo facto de ser regularmente verificada através de provas observacionais?

2. Como podemos demarcar uma teoria cientifica de uma teoria pseudocientífica?

3. Explique porque motivo o método de procura de verificações não é o mais conveniente para a ciência.

Retirado da site Netprof.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Adeus ao cientismo

Princípios considerados de fundamental importância, fundamentos sólidos, vão ser de facto profundamente abalados; até ao século XIX, a ciência assentava no princípio do determinismo, considerando que os processos da natureza consistem num rigoroso encadeamento de causas e consequências, nada acontecendo de incerto e de indeterminado na natureza, só a ignorância sendo responsável pelas incertezas. O próprio espírito de exactidão da ciência — só o que é mensurável é susceptível de estudo exacto, o objectivo da ciência é medir os fenómenos, é descrever através de números, é estabelecer relações precisas — acentua a forma da universal inteligibilidade. A estes dois princípios ainda se poderá acrescentar o princípio da continuidade — os movimentos da natureza produzem-se gradualmente: entre dois momentos considerados, entre duas posições, existem sempre outros momentos. Além de que o cientista era mais um instrumento ao serviço da natureza, orgulhava-se em vincar a sua impessoalidade, a não interacção do homem que investiga e do fenómeno investigado. O cientista do século XX é protagonista de todo um processo de revisão: em vez de certezas absolutas, uma margem de incerteza, em muitos domínios; em vez do determinismo, do encadeamento causa – efeito, a certeza de que as mais pequenas unidades de matéria e de energia só podem ser descritas em termos de probabilidade, as previsões rigorosas neste campo não passando de quimera. (...) Acentua-se cada vez mais o papel criador, a actividade do cientista, e uma dose de acaso introduz-se nas teorias científicas (...). A ordem encontrada hoje na natureza é só uma das muitas ordens possíveis. E o real deixa de ser transparente, para se tornar velado.
Isabel Marnoto, António Sérgio. Claridades e Sombras, in Revista da Historia das Ideias, Coimbra, 1983.


1. Comente os dois conceitos de ciência presentes no texto.

O que é a ciência?


Conjunto de saber definido, metodicamente interligado por princípios e leis. Por isso, também se pode dizer que a ciência é um sistema de relações. A ciência tem, portanto, por objectivo o conhecimento certo. para atingir este objectivo, emprega-se métodos adequados à natureza do objecto de cada ciência. A ciência pode designar um conhecimento teórico [matemática, por exemplo] bem como uma habilidade prática. O termo ciência pode significar mais, geralmente, o conjunto das ciências (matemática, astronomia, química, biologia, as ciências humanas...) A história das ciências revela que a matemática foi a primeira a aparecer [antiguidade grega e mesmo egípcia], e as ciências humanas, as últimas; se as considerarmos pelo seu objecto, a matemática parece ser a ciência mais simples, enquanto as ciências humanas parecem ser as mais complexas. É habitual distinguir as ciências da natureza das ciências do homem [fundadas por Dilthey, na Alemanha, e por Augusto Comte, em França]: as primeiras são "analíticas", e o seu objectivo é dar uma expressão matemática às "leis", ou relações constantes entre os fenómenos; as segundas são "compreensivas" e relevam do sentimento e não da medida objectiva. As ciências da natureza distinguem-se da Filosofia, uma vez que a sua vocação é a de conhecer a matéria, enquanto que a da Filosofia é a de conhecer o espírito (Bergson); as ciências humanas são como que o caminho entre as ciências da natureza e a Filosofia propriamente dita. Feita esta breve abordagem da ciência, registe-se que o espírito científico é a predisposição do pensamento para as ciências, isto é, para um conhecimento objectivo e universal, a que alguns denominam espírito positivo. O espírito científico recusa-se a confiar nas impressões subjectivas, na tradição (crenças, explicações teológicas ou metafísicas): identifica-se com o espírito crítico, mas aplicado a um objectivo real (os fenómenos da natureza). O seu ideal é a substituição da percepção das coisas pelo conhecimento das suas leis, isto é, as "relações constantes" entre fenómenos. As ciências não visam apenas a acumular dados. A sua principal função é explicar os fenómenos do seu domínio por meio de hipóteses, teorias, princípios ou leis. O primeiro passo, neste trabalho de interpretação, é a formulação de uma hipótese, que não passa de uma interpretação provisória, isto é, uma conjectura ou suposição feita no sentido de explicar os dados obtidos. Um exemplo: supormos por hipótese, a existência de uma relação constante entre dois ou mais factos observados. Quando uma hipótese se apoia em observações ou em considerações racionais, converte-se numa teoria. E, finalmente, se foi verificada, isto é, satisfatoriamente comprovada, a hipótese eleva-se à categoria de lei, se é de carácter experimental, ou de princípio ou doutrina, se está baseada em argumentos racionais. As ciências particulares têm um lugar, um objecto próprio e uma incumbência especial, que consiste em determinar as causas próximas e formular as leis particulares. Enfim, ao estudo filosófico das ciências é habitual dar-se o nome de epsitemologia. António Pinela, Epistemologia, Reflexões


1. Evidencie do texto as principais características do discurso científico.

2. Discuta o papel desempenhado pela hipótese no trajecto a percorrer pelo método científico.

3. Diz o que entende por epistemologia.

O senso comum


O senso comum é um saber que está presente em todas as sociedades e em todos os indivíduos (todos são dotados de senso comum). Mas o senso comum é plural, variando de sociedade para sociedade e modificando-se com o decorrer dos tempos. O senso comum, enquanto princípio de sociabilidade, constitui o acordo mínimo exigível para que qualquer sociedade funcione como tal; ele assegura a coesão indispensável para que se possa falar de comunidade e de vida colectiva. Ele é princípio de equilibração, essencial a toda a sociedade, entre a dimensão do indivíduo e a dimensão do colectivo ou dito de outra forma, da sujeição do indivíduo às normas da vida colectiva. O senso comum é também o senso tradicional. Costumamos dizer: "sempre foi assim" para justificar um procedimento que nos criticam. O senso comum transporta e naturaliza um conjunto de convenções implícitas ou intrínsecas ao agir humano colectivamente dimensionado. Neste sentido, ele é conducente ou solidário de uma aceitação que assinala uma passividade inerente e indispensável face às exigências práticas e pragmáticas da vida. Como se adquire o senso comum? Ele é fruto da aprendizagem e educação que espontânea e/ou institucionalmente recebemos enquanto membros de uma comunidade. José Manuel Girão e Rui Alexandre Grácio

1. Estabeleça o alcance da característica do senso comum que diz respeito ao princípio de sociabilidade.

2. Explicite o significado da seguinte afirmação: "Neste sentido, ele é conducente ou solidário de uma aceitação que assinala "uma passividade inerente e indispensável face às exigências práticas e pragmáticas da vida".

A ruptura entre senso comum e ciência

«A elaboração de “ construções cientificas” implica ruptura com as construções do conhecimento vulgar” ’ (do senso comum, da ideologia).Na verdade, se a ruptura comas “ categorias “ , “ evidências” “ explicações “ vulgares não ocorre, não é de todo possível “ abrir espaço” para novas “construções”. Todo o conhecimento, mesmo o vulgar, é construído para responder a determinadas interrogações, a determinados problemas - e transporta, por isso, em si mesmo, implicitamente, as interrogações, os problemas para responder aos quais foi construído. Assim “ o conhecimento vulgar “ enquanto não é recusado como traduzindo directa e fielmente a realidade, continua impor ao pensamento não só as suas categorias explícitas, como também as interrogações escondidas, os problemas implícitos que estão na sua origem. Ora, os problemas, as interrogações, as necessidades de resposta a que o “conhecimento vulgar” ( de senso comum ou ideológico) responde e corresponde não são como vimos, as do conhecimento propriamente dito, mas os do “ reconhecimento “ e da “ prática social”. Não se trata, por conseguinte, de simplesmente pôr em dúvida, para construir a ciência, o que o senso comum ou a ideologia explicitamente afirmam como “evidente”; não se trata de ir verificar por métodos científicos, se as descrições / interpretações que o “conhecimento vulgar” nos oferece do social são correctas ou incorrectas, cientificamente ou não. A ruptura opera-se, fundamentalmente a outro nível – e sem de resto forçosamente se propor substituir as “ construções “ do “ conhecimento vulgar” por outras “ construções” no plano das práticas quotidianas, onde aquelas possam continuar a ser “ úteis” . Quando efectivamente se opera, é ao nível das perguntas – não ao das respostas, das descrições / interpretações – que centralmente se situa. Opera-se, portanto, enunciando novas interrogações, instaurando novas problemáticas, através das quais o que precisamente fica posto e causa é a forma como, nas operações produtoras do “ conhecimento vulgar” o real é interrogado. (…) O que de facto de começa por subverter, para a ciência de construir são as perguntas e não as respostas do senso comum ou da ideologia.» A. Sedas Nunes, Sobre o problema do conhecimento nas ciências sociais; Cadernos GIS; Lisboa.

1. Tendo em conta a expressão “ Na verdade, se a ruptura com as “ categorias “, “ evidências ” e explicações vulgares, não é de todo possível abrir espaço para novas “ explicações”, explique o motivo pelo qual o conhecimento vulgar constitui um obstáculo à evolução da ciência.
2. Partindo do texto, explicite a importância de uma ruptura epistemológica na construção do conhecimento científico.

o que difere o senso comum do conhecimento científico


«O senso comum, diferentemente das ciências, é uma especialização da inteligência no particular e no concreto. É comum, sem ser geral, porque consiste num conjunto de conhecimentos que permanece incompleto, até que se acrescente pelo menos outro conhecimento sobre a situação em causa; e, uma vez passada a situação, o conhecimento adicional deixa de ser relevante, de modo que o senso comum volta imediatamente ao seu estado normal de imperfeição. Assim, o senso comum parece argumentar a partir da analogia, mas as suas analogias desafiam a formulação lógica. (...) Depois, o senso comum talvez pareça generalizar, mas uma generalização proposta pelo senso comum não tem o significado de uma generalização proposta pela ciência. A generalização científica visa oferecer uma premissa a partir da qual se podem tirar deduções correctas. (…) Não é apenas no significado que atribui às analogias e às generalizações que o senso comum difere da Lógica e da Ciência. Em todas as suas expressões, opera a partir de um ponto de vista distinto e persegue um ideal próprio. As assunções heurísticas da ciência antecipam a determinação de naturezas que sempre actuam da mesma maneira, em circunstâncias similares, e, ainda, a determinação das normas ideais de probabilidade, a partir das quais os acontecimentos divergem, só de um modo não sistemático. Embora o cientista esteja consciente de que só obtém tais determinações através de uma série de aproximações, sabe também que mesmo as determinações aproximadas devem ter as propriedades lógicas da verdade abstracta. Por conseguinte, os termos têm de ser definidos sem ambiguidade e devem sempre empregar-se exactamente neste significado desprovido de ambiguidade. Os postulados devem ser estabelecidos; os seus pressupostos devem ser examinados; as suas implicações devem ser exploradas. Resulta daí, automaticamente, uma linguagem técnica e um modo formal de discurso. Não só nos vemos compelidos a dizer o que significamos e a significar o que dizemos, mas a correspondência que obtemos entre o dizer e o significar tem a simplicidade exacta de expressões primitivas como ‘ isto é um gato.” Por outro lado, o senso comum nunca aspira ao conhecimento universalmente válido e nunca visa uma comunicação exaustiva. As suas preocupações são concreta e particular. A sua função é dominar cada situação à medida que surge. O seu procedimento é conseguir um conjunto incompleto de conhecimentos que só será completo pela adição em cada ocasião de novos conhecimentos que o escrutínio da ocasião revela. Seria um erro para o senso comum tentar formular o seu conjunto incompleto de conhecimentos em definições e postulados e elaborar os seus pres supostos e implicações.» Bernard Lonergan, Insigth . A Stucly af Hurnan Understandinp, N. Y., PhiIosophica Livrary

1. Tendo presente a diferenciação, entre senso comum e conhecimento científico, elabore um texto onde estabeleça uma demarcação clara entre os dois modos de conhecimento referidos

Senso comum e ciência


"Ao passarmos de ideias elementares para as ideias abstractas, de juízos superficiais a outros mais profundos, fazemos a passagem da aparência das coisas para a sua realidade. Ao considerar o conhecimento, devemos fazer sempre uma distinção entre aparência e realidade – entre os fenómenos particulares que são imediatamente evidentes à observação e os processos ocultos, interconexões e leis que se manifestam nas aparências e estão na base dos factos observados. A tarefa de conhecer as coisas é sempre avançar das aparências para a realidade, assim como conseguir saber mais acerca do movimento real e interconexões das coisas, manifestas na sua existência particular e modo aparência. "Cornford, Materialismo Dialéctico.


1. Tendo presente o conteúdo do texto, elabore uma reflexão onde torne evidentes as diferenças entre o conhecimento vulgar e conhecimento científico.